Artigo

Que tanto ódio?!

Por Paulo Rosa

Caps Porto, Ambulatório Saúde Mental, Hospital Espírita, Telemedicina PM Pelotas  
[email protected]


Um guri brasileiro a matar guris brasileiros a machadadas, aqui ao lado, na pacífica Blumenau! Não falo outros casos de igual calibre, mundo afora e aqui dentro, por desnecessário para que nos questionemos: o que nos passa? Por que não aprendemos nunca a lidar com o mal que levamos na alma? Por que tanto encantamento, ou mesmo fascinação, com a violência? Com a destruição? Com o sofrimento, próprio e alheio?
Os norte-americanos, armados até os dentes, apologistas e reféns de clubes do rifle, eternos cowboys, sempre querendo ser os gatilhos-mais-rápidos-do-Oeste, dando tiro a torto e a direito. Ainda exportam isso. O que há com essa gente?

 
Pergunte-se melhor o que há conosco, recomendava o romano Terêncio, 185-159 aC, 26 anos, ao assinalar que “nada do que é humano me é estranho”. Como pode ocorrer tal distância de ‘resultados’ entre o jovem brasileiro e o romano? Um que espalha sabedoria, reflexão, e o outro, que só sabe destruir(se)?
Vejo acertado aprofundar a discussão – a nível nacional e local, como ocorre em Pelotas, - sobre as questões da primeira infância, o bem-estar de crianças e famílias, a delicada sintonia emocional e afetiva entre pais/cuidadores e filhos, epicentro da construção de sujeitos com razoável equilíbrio mental, ou, quando a família falha fragorosamente, a gênese de assassinos cruéis.

 
Oportuno lembrar Cervantes que, já no século 16, no memorável El coloquio de los perros, fazendo dois cachorros prosear, diz um deles, Cipión: “es fácil aprender a hacer el mal” (p.23). Ao que Berganza, o outro, comenta que no matadouro onde vivem, os carneadores, são “gente muy mala y no tienen miedo al rey ni a su justicia...”, dando-se ênfase que o ambiente de violência gera violência nos que aí vivem. As gentes têm a curiosa e trágica capacidade de incorporarem em seu interior aquilo que vivenciam no ambiente externo.

 
Bem recentemente a alentada jornalista alemã Carolin Emcke teve traduzido pela Âyiné, 2020, seu livro Contra o ódio, o qual comento. No prefácio ela faz uma colocação central: “...às vezes me pergunto como eles conseguem odiar dessa maneira. Como podem ser tão seguros. Pois isso aqueles que odeiam têm de ser: seguros. Caso contrário, não falariam ou agrediriam ou matariam dessa forma...Eles têm de estar seguros. Sem dúvida alguma. 

Não se pode odiar duvidando do ódio...É necessária uma certeza absoluta para odiar. Qualquer ‘talvez’ já seria um estorvo”, p.13.

 
Junte-se o recente fenômeno da comunicação via internet. A facilidade de envio de mensagens é, claro, um avanço. Por outro lado, ela estimula a estranha tendência humana de projetar nos outros aquilo que me desgosta em mim. Os hoje corriqueiros cancelamentos – fruto do ódio escancarado – são facilitados pela comunicação à distância.

 
Fácil é cultivar o mal. Trabalhoso, fomentar o bem. Vida difícil.

Para Paula Mascarenhas, prefeita em tempos de IA.

Carregando matéria

Conteúdo exclusivo!

Somente assinantes podem visualizar este conteúdo

clique aqui para verificar os planos disponíveis

Já sou assinante

clique aqui para efetuar o login

Anterior

Inadimplência assombra famílias

Próximo

Falta de líderes: a causa dos nossos problemas

Deixe seu comentário